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O Eco de Beatriz - E o Querer Agradar

  • Foto do escritor: Psicóloga Ana Silva
    Psicóloga Ana Silva
  • 28 de jan.
  • 3 min de leitura

Beatriz sempre teve um riso fácil e uma resposta pronta para ajudar. Na escola, era a amiga que dividia os cadernos para salvar quem esquecia de estudar. Em casa, era quem silenciava seus desejos para não incomodar os pais exaustos após um longo dia de trabalho. E assim, com o passar dos anos, tornou-se um eco da vontade alheia.



Aos 27 anos, Beatriz trabalhava como designer em uma agência de publicidade. Era o tipo de profissional que todos admiravam: criativa, solícita e disposta a virar noites para que o trabalho saísse impecável. Ela aceitava sem pestanejar todas as demandas que caíam sobre sua mesa, mesmo que a pilha já parecesse insustentável. O chefe a chamava de “peça-chave”, e Beatriz sorria ao ouvir, mas lá dentro sentia-se estranhamente vazia.


Naquele ano, decidiu organizar a festa de aniversário da mãe. Passou semanas planejando cada detalhe: as flores preferidas, os pratos que ela adorava, a playlist cheia de músicas da juventude da mãe. Quando o grande dia chegou, todos elogiavam a decoração, a comida, a harmonia do evento. Beatriz sorria com cada comentário, mas algo parecia errado. Sua mãe, em um momento de descuido, comentou com uma tia: “Ah, eu teria feito algo mais simples, sabe? Mas a Beatriz gosta de caprichar.”


As palavras, ditas sem maldade, machucaram Beatriz como uma lâmina fina. Ela se pegou pensando se todo aquele esforço havia sido por amor ou por medo de não ser boa o suficiente.


Naquela noite, deitada no sofá da sala vazia, viu pela primeira vez algo que sempre evitara: um espelho invisível dentro de si. Passou a lembrar de como, na infância, era elogiada por ser “a comportada”, “a menina que nunca dá trabalho”. Na adolescência, aceitou namorar um colega de classe só porque ele era insistente e todos diziam que seria um par bonito. Na faculdade, escolheu design porque acreditava que era “uma área com futuro”, mesmo sonhando em estudar música.


Beatriz percebeu, com um pesar que subiu pelas costas como um peso gélido, que sua vida era um mosaico feito de pedaços que nunca haviam sido realmente seus.

Os dias seguintes foram uma luta interna silenciosa. Ela continuava no trabalho, sorria para os colegas, mas pequenas rachaduras começaram a surgir. Pela primeira vez, recusou um pedido do chefe. Quando ele perguntou, surpreso, se estava tudo bem, ela respondeu apenas: “Está, mas eu preciso de tempo para terminar o que já comecei.”


As noites, antes gastas em planejamentos para agradar aos outros, foram preenchidas com perguntas que a incomodavam: “O que é que eu gosto? O que eu quero?” Era um silêncio novo, desconfortável, mas genuíno.



Numa terça-feira qualquer, Beatriz tomou uma decisão. No intervalo do almoço, comprou um pequeno bloco de notas. Escreveu na primeira página:


“O que você quer de verdade, Beatriz?”

E então, ao longo daquela semana, preencheu com pequenas coisas: ouvir música no parque, comer brigadeiro sem se preocupar com calorias, dizer não para convites que não queria aceitar. A princípio, tudo parecia insignificante, mas, pouco a pouco, sentia-se mais leve, como se voltasse a habitar o próprio corpo.


O final da história de Beatriz não foi um daqueles em que tudo muda da noite para o dia. Ela não largou o emprego, não fez uma grande viagem para “se encontrar”. Mas, pela primeira vez, começou a se olhar com a mesma atenção que sempre ofereceu aos outros.

E naquela sexta-feira, quando alguém pediu para que ela ficasse até tarde no escritório, ela respirou fundo e disse: “Hoje, não. Tenho um compromisso.”


O compromisso era com ela mesma. E isso, para Beatriz, era um começo.


Conto Escrito Por Ana Silva

Psicóloga Clínica que fala de Coração para Coração

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© 2024 por Ana Silva. 

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